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1 de setembro de 2006

Israel 0, Hezbollah 0: ganha o Irão 

por Ana Gomes


A mais importante conclusão a tirar da guerra entre Israel e o Hezbollah é a de que ambos os actores perderam: ambos clamam vitória, mas ambos falharam os seus objectivos.

As recentes declarações do líder do Hezbollah, o Xeque Hassan Nasrallah, indicam que o movimento não contava com a resposta esmagadora de Israel. Nasrallah parece ter aprendido a lição: "Não pensávamos que a captura [de dois soldados israelitas] ia levar a uma guerra nesta altura e desta dimensão. Se me perguntarem se eu tinha levado a cabo esta operação no dia 11 de Julho se soubesse que ela levava a uma guerra desta natureza, eu dizia-lhe não, nem pensar." A presença de tropas internacionais e do exército libanês no feudo do Hezbollah no Sul do Líbano não faziam, certamente, parte dos cálculos do movimento xiita quando este decidiu abrir hostilidades com Israel. Com o cessar-fogo a pôr fim ao seu papel de 'resistência', o Hezbollah debate-se agora com pressões reforçadas do povo libanês e das outras forças políticas libanesas no sentido de desarmar e passar a funcionar como partido normal.

Israel ainda calculou pior, propondo-se eliminar o Hezbollah de uma vez por todas. No final de contas, mais do que falhar apenas os objectivos militares, Israel falhou o objectivo político de reordenar o equilíbrio de forças na região. O Hezbollah só vai desaparecer como ameaça para Israel no contexto de um acordo político regional que inclua a Síria. E os israelitas já estão a punir os seus líderes por tentarem vender despudoradamente a ilusão de uma vitória militar rápida, fácil e total. A carreira política de um dos arquitectos da estratégia israelita, o Ministro da Defesa Amir Peretz, parece ter os dias contados, com o partido trabalhista já a pensar em demiti-lo da liderança. Também o Chefe do Estado-maior israelita, Dan Halutz, está a ser acusado de incompetência e corrupção.

O Irão, esse sim, venceu. De facto, para Teerão, as coisas não poderiam correr melhor: o regime vai prosseguindo o programa nuclear, pode viver com sanções económicas (com as quais sempre viveu) e provou durante esta guerra que não lhe faltam outros meios para retaliar, do Iraque ao Líbano.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita já está a explorar possíveis cenários de negociações com Damasco, revelando um pragmatismo alheio aos falcões da Administração Bush, prisioneiros da lógica maniqueísta do "eixo do mal". Separar a Síria do Irão é essencial para ferir de morte o eixo Damasco-Teerão-Hezbollah e pôr fim aos fornecimentos iranianos ao movimento xiita. Apesar da retórica tonitruante, Damasco não quer outra coisa senão ser tratado como actor relevante na região e sair do isolamento internacional em que se encontra; resolvida a questão territorial das Quintas de Sheba e dos Montes Golã, não se furtará a colaborar (já o faz, encobertamente: a CIA subcontrata à Síria algum "dirty work" da "guerra contra o terrorismo", entregando-lhe uns suspeitozinhos para torturar....).

Não serão os EUA, sob uma Administração em fim de mandato, moral, politica e militarmente desacreditada, odiada por esse mundo fora e completamente incapaz de mediar no Médio Oriente, que vão determinar uma viragem positiva naquela região. A Europa é quem mais precisa de paz no Mediterrâneo: dela pode depender um novo Médio Oriente. A contribuição importante dos países da UE para a força de interposição da ONU é, assim, positiva, ainda que arriscada: é fundamental eliminar as ambiguidades da Resolução 1701, dando à UNIFIL reforçada mandato explícito nos termos do Capítulo VII da Carta da ONU.

Este será só o primeiro passo numa nova estratégia para a paz no Médio Oriente, que tem de passar inevitavelmente pelo fim da ocupação e criação de um Estado da Palestina viável e democrático. A Europa tem também de assumir a "responsabilidade de proteger": como já sugeriu o novo MNE italiano, a UE deve preparar o urgente envio de uma força de paz para Gaza. Palestina e Israel estão hoje visceralmente ligados, para o bem ou para o mal: quanto mais se afunda a Palestina sob ocupação, mais se perde Israel também. E todas as metástases terroristas que afligem o Mundo continuarão a alimentar-se deste cancro.

(Publicado no "COURRIER INTERNACIONAL" de hoje, 1.9.06)

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