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15 de maio de 2008

Cuba, que caminho? 

Por Vital Moreira

As pequenas reformas anunciadas em Cuba depois da saída de Fidel Castro - incluindo o acesso a bens pessoais até agora indisponíveis e à propriedade de casas, entre outras medidas - constituirão o início de uma substancial mudança política? Faz algum sentido imaginar uma transição política naquele país num futuro próximo?

Vinte anos depois do fim do mundo comunista na Europa, Cuba permanece um esteio do "marxismo-leninismo", baseado numa economia colectivizada, na ausência de liberdades políticas e no domínio do Partido Comunista. Da tentativa reformista de 1992 - que incluiu uma extensa revisão constitucional - pouco ficou, com a recuperação do poder pelas forças mais ortodoxas. Mas o fim da liderança de Fidel Castro, o carismático líder revolucionário, pode causar uma perda significativa da capacidade de sobrevivência do regime, como sucede muitas vezes com as lideranças pessoais muito marcantes. Além disso, as persistentes dificuldades económicas do país e a incapacidade para proporcionar à população um nível de bem-estar a que muitos aspiram podem criar as condições para abalar a legitimidade social do regime.

Depois de Fidel Castro, há três vias possíveis para o desenvolvimento político de Cuba. A primeira será uma "evolução na continuidade", com pequenas aberturas e alguma liberalização, mas sem pôr em causa os fundamentos do regime, tanto no plano económico como político. A segunda será uma "via chinesa", mantendo o monopólio político do Partido Comunista, mas abrindo caminho à transformação da economia, mediante uma progressiva liberalização e privatização. A terceira será uma genuína transição democrática, através da liberalização política, da admissão de partidos políticos e da realização de eleições livres.

A evolução na continuidade é a via mais provável, pelo menos enquanto Fidel Castro for vivo. Para isso contribuem a fidelidade das forças armadas à Revolução, a fragilidade dos meios oposicionistas (aliás, predominantemente direitistas), o sentimento de resistência ao "cerco imperialista" que o contraproducente embargo dos Estados Unidas alimenta. Alguns passos de abertura controlada no campo económico e mesmo no campo político podem ser ensaiados, para aliviar tensões e melhorar o desempenho económico. Mas, à imagem do que sucedeu em Portugal com a "abertura marcelista" depois de Salazar, o mais provável é que se verifique uma retracção logo que se perfile alguma ameaça séria à segurança do regime.

Uma evolução à chinesa - ou seja, comunismo político mais capitalismo económico - não é de excluir, mesmo que pouco provável. Por um lado, uma reforma económica no sentido de um "socialismo de mercado" poderia resolver as enormes carências no campo do abastecimento de alimentos e de bens de consumo duradouros. Por outro lado, porém, uma tal saída suporia um pragmatismo político e ideológico da liderança cubana que a realidade presente não deixa esperar. A mitologia revolucionária do "socialismo cubano" e os seus êxitos no campo da educação e da saúde, entre outros, bem como a dogmática marxista-leninista continuam a ter um peso muito forte.

Uma genuína transição liberal-democrática pode ser a evolução menos previsível, mas não deixa de ser uma possibilidade real. Como mostrou o desmoronamento do comunismo no Leste europeu e na Rússia, há duas décadas, a aparência de solidez do regime e impotência da oposição não são garantias contra a derrocada, desde que as condições económicas e a legitimidade social do regime se degradem excessivamente. Excluída a hipótese de um golpe de Estado - dado o firme controlo das forças de segurança e das forças armadas -, uma transição política em Cuba pode ocorrer por uma de duas vias. Ou por uma mudança a partir de dentro, desencadeada por sectores reformistas do regime, depois aberta à oposição (à maneira da transição espanhola nos anos 70); ou por uma súbita implosão política, provocada por uma faísca inesperada (por exemplo, uma manifestação de protesto social), num ambiente político ou social de fim de regime, à maneira do Leste europeu.

Obviamente, sendo uma questão a decidir pelos cubanos eles mesmos, a transição democrática em Cuba depende também do ambiente externo, a começar pelo ambiente regional. A situação na América Latina é hoje bastante mais propiciatória de uma mudança em Cuba do que no passado. Tendo vários países passado por uma transição democrática a partir de regimes autoritários de direita, o novo panorama político regional pode ter um positivo efeito de demonstração de que a alternativa ao regime comunista em Cuba não é o regresso a uma ditadura de direita tradicional nem a um capitalismo de miséria (como no vizinho Haiti), podendo antes ser uma democracia politicamente bem sucedida e socialmente progressista, como sucede em vários países do continente.

Não pode ignorar-se também o papel que podem ter os Estados Unidos e a União Europeia. Os primeiros, depois de alijarem a estrambótica tese do perigo de Cuba para a sua segurança, podiam finalmente abandonar também a sua política de embargo ao país e de apoio à emigração de cubanos, dado que o primeiro só tem dados argumentos políticos internos ao regime e a segunda só tem servido de válvula de segurança política e social, aliviando o descontentamento interno. Por sua vez, a UE pode e deve intensificar a sua pressão contra a repressão política em Cuba e de apoio à promoção da abertura democrática no país.

Será um truísmo afirmar que a transição política em Cuba é só uma questão de saber quando virá e em que condições. Sucede que os seus sinais ainda não estão à vista e que as condições para a mudança ainda parecem longe de estar reunidas. Muitas vezes, porém, as grandes mudanças políticas não se fazem anunciar. Quem sabe?

(Público, terça-feira, 15 de Abril de 2008

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