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1 de agosto de 2008

Justiça retributiva 

Por Vital Moreira

Não era preciso o FMI vir lembrar que o principal problema endógeno da economia portuguesa, que os actuais choques exógenos tornam ainda mais notório, continua a ser o “crescimento anémico da produtividade”. Conjugando baixa produtividade com elevados custos relativos do trabalho – apesar do nível comparativamente baixo dos salários –, o resultado só pode ser a reduzida competitividade da economia portuguesa em muitas áreas, que trava o crescimento económico, limita o emprego, desequilibra a balança comercial e fomenta a dívida externa.

Enquanto não forem superadas as causas estruturais da baixa produtividade global – ligadas designadamente a défices de qualificação do trabalho e de eficiência empresarial –, a única maneira de melhorar a competitividade, dizem os economistas, é a contenção dos custos, incluindo os custos do trabalho. Na falta de moderação salarial assumida, a alternativa só pode ser mais desemprego – por perda de mercados e incapacidade de competição das empresas nacionais, quer no mercado externo quer no mercado interno –, o qual acabará por pressionar os salários para baixo, sobretudo para os jovens à procura do primeiro emprego.

É neste contexto que assumem importância crucial não somente as políticas de qualificação acelerada do emprego e de formação profissional – que no entanto demoram tempo a produzir efeitos –, mas também as medidas no campo das relações laborais, quer as que passam pela flexibilização do tempo de trabalho a nível da empresa, aumentando a eficiência e permitindo alguma poupança de sobrecustos com trabalho suplementar, quer as que estabelecem uma correlação obrigatória entre a melhoria de remuneração e os níveis de desempenho e de produtividade.

Todavia, por mais racional que seja o discurso da moderação salarial em homenagem à competitividade das empresas e à criação de emprego, ele só pode aparecer como politicamente cínico e socialmente indefensável num país, como o nosso, onde existe uma das maiores desigualdade entre os rendimentos mais baixos e os mais altos. Como é que se pode pedir contenção salarial à generalidade dos trabalhadores com baixas remunerações médias – quando comparadas com a média da UE –, se as remunerações mais elevadas (profissionais liberais, gestores, altos quadros de empresas) não cessam de subir bem acima do crescimento económico e da produtividade das empresas e da economia?

Seguramente que está fora de causa tornar vinculativo o exemplo da administração da TAP – que decidiu reduzir a sua própria remuneração para sensibilizar os trabalhadores para as dificuldades da empresa – ou sugerir um “tecto legal” para as remunerações no sector privado (embora não fosse nada escandaloso no sector público). Mas se o Governo – este ou qualquer outro – pretender obter resultados na política de contenção de rendimentos, verá votados ao insucesso todos os seus esforços, se não der mostras de fazer partilhar a moderação remuneratória pela generalidade dos agentes económicos, desencorajando ou pelo menos onerando as remunerações demasiado elevadas.

É certo que o actual governo criou um escalão adicional no IRS sujeito à taxa de 42%. Mas essa medida está longe de atingir todos os rendimentos mais elevados, não somente porque os rendimentos de capital estão sujeitos a uma “taxa liberatória” fixa de apenas 20%, mas também porque a actual legislação permite a migração da tributação em IRS para a tributação em IRC – muito mais baixa –, através do abuso da forma societária, sobretudo na prestação de serviços. Acresce que a progressividade nominal do IRS é muito afectada pela subdeclaração de certos rendimentos, bem como pelos consideráveis benefícios fiscais de que aproveitam sobretudo os altos rendimentos (por exemplo, despesas de saúde e de educação fora dos respectivos serviços públicos). Tampouco se compreende, por exemplo, a falta de qualquer iniciativa para desincentivar os níveis luxuriantes da remuneração (directa e indirecta) dos gestores em algumas empresas, quando em vários países europeus estão em estudo ou em curso iniciativas para condicionar os valores mais escandalosos.

Numa economia de mercado, por menos desregulada que seja, são sempre limitados os instrumentos para apertar o leque dos rendimentos, sobretudo nos níveis mais elevados. Mas existem. Mesmo que não seja de seguir a recente (e ousada) sugestão de Fernando Ulrich de criar um escalão suplementar no IRS, existem outras medidas, tanto no plano fiscal como no plano regulatório, de que o Estado, querendo, não deve abdicar.

Quando se trata de pedir morigeração salarial, convém não esquecer um módico de equidade social.

(Diário Económico, 30 de Julho de 2008)

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