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19 de agosto de 2010

Desta vez, deve ser para valer 

Por Vital Moreira

Só a distracção ou a saturação com comunicados oficiais das instituições europeias podem justificar a relativa indiferença com que foram recebidas as conclusões da última reunião do Conselho Europeu, na semana passada, em Bruxelas. Importa sublinhar a sua importância.

Sob pressão da crise da dívida pública em vários Estados-membros e da ameaça dos mercados à estabilidade da moeda única, o colégio dos chefes de Governo da União, presidido por Von Rompuy, resolveu tomar um conjunto de medidas e assumir alguns compromissos decisivos para o presente e o futuro da Europa.

Encarregado constitucionalmente de definir as grandes orientações políticas da União, o Conselho Europeu resolveu aproveitar este momento decisivo para decidir as prioridades europeias no plano económico e social na próxima década (aprovação da Estratégia "Europa 2020"), para consagrar sem nuances o valor da sustentabilidade orçamental (apontando para a aceleração dos planos de consolidação orçamental em curso), para confirmar a determinação no reforço da regulação e supervisão dos mercados financeiros (na base dos projectos legislativos em curso no Parlamento Europeu) e, finalmente, para adiantar as primeiras medidas no sentido de maior integração efectiva das políticas orçamentais e económicas nacionais.

É neste ponto da chamada "governação económica" que surgem as medidas de maior alcance e as principais novidades, quer quanto à noção de controlo das políticas económicas nacionais, no que respeita à competitividade e aos desequilíbrios macroeconómicos, quer quanto ao efectivo controlo da disciplina orçamental, incluindo a aplicação de sanções. Trata-se indubitavelmente de um assinalável progresso na integração da política orçamental e da política económica a nível da UE, em especial na zona euro.

O terreno para este avanço tinha sido preparado poucos dias antes por uma comunicação do Banco Central Europeu, intitulado justamente "Reforçar a governação económica da zona euro". Numa linguagem inusualmente assertiva, a instituição dirigida por Jean-Claude Trichet defendia três ideias básicas, a saber: o reforço do controlo da União sobre as políticas orçamentais nacionais e uma efectiva prevenção e correcção dos défices e do endividamento excessivo, um quadro aperfeiçoado para o controlo da competitividade das economias dos Estados-membros e para a correcção dos desequilíbrios económicos existentes e, finalmente, a instituição de um mecanismo permanente para a gestão de crises futuras na zona euro

Nas palavras do próprio BCE, trata-se de um salto substancial ("quantum leap") no reforço das bases institucionais da União Económica e Monetária, consubstanciando a vertente da integração das políticas económicas, que até agora tinha permanecido desconsiderada, e de levar a sério a disciplina orçamental prevista desde o início, mas até agora insuficientemente implementada.

Com estas medidas e com as que serão tomadas no seguimento do relatório do grupo de trabalho liderado pelo próprio Von Rompuy sobre a "governação económica", esperado para Outubro, a União passa definitivamente da fase da gestão das sucessivas crises (financeira, económica e das contas públicas), para desenhar uma nova ordem económica e financeira pós-crise, virada para o médio e longo prazo, apostada no crescimento económico e no emprego, na correcção dos desequilíbrios estruturais em matéria de competitividade e na estabilidade orçamental e monetária, e baseada na coordenação mais intensa e na supervisão das políticas orçamentais e económicas dos Estados-membros.

É evidente que as dificuldades por que passam as finanças públicas de muitos Estados-membros, entre os quais Portugal, têm a sua principal origem na grande recessão económica que atingiu a Europa, na sequência da crise do sector financeiro norte-americano. Mas também é evidente que os enormes danos por esta causados foram grandemente potenciados pelas vulnerabilidades preexistentes, devidas ao laxismo e à complacência no cumprimento do Pacto de Estabilidade e de Crescimento quanto aos limites dos défices orçamentais e do endividamento público, bem como à falta de combate à perda de competitividade e aos desequilíbrios de várias economias, mesmo dos países que tinham situações orçamentais virtuosas, como era o caso da Espanha.

A consolidação orçamental e a melhoria do desempenho económico são a chave para o crescimento económico sustentado e para a obtenção de níveis elevados de emprego num futuro próximo. A fragilidade das contas públicas só gera insegurança nos operadores económicos, que é o principal inimigo do investimento, sem o qual não existe crescimento nem emprego. A confiança sobre a situação financeira é o primeiro factor da retoma económica. Não existe por isso contradição entre consolidação orçamental e crescimento económico sólido.

Além da política monetária única, a grande interdependência que a união monetária implicou não é compatível com a ausência de uma considerável dose de integração e de convergência da política orçamental e da política económica. Pode haver mercado único e moeda única sem federalismo político. Não podem porém deixar de existir os mecanismos de "federalismo" orçamental e económico necessários para assegurar a sustentabilidade da união monetária. A ilusão contrária contribuiu enormemente para as actuais dificuldades.

A crise financeiro-económica e a subsequente crise das finanças públicas custaram enorme destruição de activos e de emprego, sem esquecer os sacrifícios das medidas de austeridade em curso. Mas é seguramente uma ocasião de ouro para confrontar a Europa com as responsabilidades trazidas pela integração monetária e para explorar mais proveitosamente as suas enormes virtualidades. As instituições europeias não podem falhar esse desafio. O Conselho Europeu da semana passada deu uma meritória contribuição para essa tarefa.

(Publico, terça-feira, 22 de Junho de 2010)

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