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1 de maio de 2011

No caminho certo 

Por Vital Moreira

Relatava ontem o PÚBLICO, a partir da feira do calçado de Milão, que a indústria portuguesa desse setor mantém notáveis perspetivas de crescimento nos mercados externos, apesar das nuvens que ameaçam a economia portuguesa em geral. Se o sucesso da indústria do calçado fosse espelho para a toda a economia, os nossos problemas de falta de competitividade externa e de défice da balança comercial estariam resolvidos.

Tal como a generalidade da indústria portuguesa tradicional, caracterizada por baixa qualificação tecnológica e reduzido valor acrescentado, também o setor do calçado passou por um grande desafio, quando os países de baixos salários começaram o ocupar os mercados europeus com produtos equivalentes a melhor preço. Mas, ao contrário de outras indústrias, o setor do calçado foi capaz de "dar a volta por cima", mercê da renovação tecnológica, da elevação da qualidade, da diferenciação dos produtos, do design e da marca, da formação profissional, da mudança de mercados alvo, apostando nos segmentos mais altos, os que são geram maiores margens no preço final. Segundo os representantes do próprio setor, que exporta mais de 90 por cento da sua produção, as previsões de crescimento das exportações para esta ano são de mais de 10 por cento, apesar do previsível agravamento dos custos das matérias-primas (peles, etc.) e da energia.

Num mercado globalizado, em que vários países emergentes beneficiam de consideráveis vantagens nas trocas internacionais, designadamente os baixos salários e a disponibilidade de matérias-primas - sem falar em custos ambientais e sociais reduzidos -, a indústria europeia não pode naturalmente competir nos mesmos produtos que aqueles fabricam. Ela só pode vencer nos segmentos onde tem vantagens relativas, pela qualidade, pela inovação tecnológica, pela sofisticação do design e da apresentação, pelo prestígio das marcas e da origem ("made in Europe"). Essa exigência de segmentação e de diferenciação pela qualidade e pela inovação vale para todos os setores industriais, desde o calçado aos automóveis, desde o têxtil à maquinaria.

A Europa não pode dar-se ao luxo de perder a sua indústria, e depender só dos serviços, por mais que o peso destes na economia não deixe de crescer. Pelas necessidades que satisfaz e pelo emprego que cria, a indústria deve continuar a constituir por muito tempo uma parte essencial da economia da União e dos seus estados-membros. Mas, numa economia mundial crescentemente aberta, a indústria europeia só pode vingar se for competitiva.

A divisão de trabalho à escala mundial já não é entre países industrializados, por um lado, e países agrícolas ou produtores de matérias-primas, por outro, como era até há poucas décadas. Por um lado, o rápido processo de industrialização de muitos antigos países "subdesenvolvidos" trouxe mais atores ao mercado internacional de produtos industriais. Por outro lado, a internacionalização das cadeias de produção transformou decisivamente a geografia económica mundial, fazendo com que a generalidade dos produtos industriais complexos, como por exemplo um automóvel ou um computador, tenham componentes oriundos de diversos países. O que importa é que a Europa mantenha nessa nova divisão internacional do trabalho uma participação relevante, que obviamente não passa pelos segmentos de menor valor acrescentado, onde os países emergentes e outros países em desenvolvimento têm vantagens imbatíveis.

Portugal não pode deixar de acompanhar o destino europeu nesta matéria. Seria estulto pretender conservar durante muito mais tempo indústrias ou segmentos industriais condenados a perder, dentro de um prazo relativamente curto, a competição para outros países que produzem os mesmos artigos a custos muito inferiores. Esse desenvolvimento será aliás potenciado e apressado pela crescente liberalização do comércio internacional, seja a nível global - se a "Ronda de Doha" para um acordo multilateral de comércio no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) chegar a bom termo -, seja a nível bilateral - mercê dos acordos de comércio livre que a União Europeia já concluiu ou está a negociar.

O recente caso das "preferências comerciais" oferecidas ao Paquistão mostra o perigo que correm os setores industriais nacionais, como a indústria têxtil, que ainda não concluíram a necessária reconversão e modernização. O facto de essa ideia não ter ido para a frente, por não ter sido possível obter o necessário "waiver" (autorização de derrogação) da OMC, não deve deixar ninguém aliviado. Não tardará muitos anos que outros países, incluindo o próprio Paquistão, venham a beneficiar da redução ou eliminação dos direitos de importação nessas indústrias, por efeito de acordos comerciais bilaterais (por exemplo, com a Índia ou a Ucrânia ou o Vietname) ou em virtude do alargamento do "sistema geral de preferências comerciais" da União. Ilude-se quem pensa que esse movimento de liberalização pode ser travado.

De resto, em vez de ver nessa liberalização comercial apenas os seus riscos para alguns segmentos da nossa indústria - que obviamente convém atenuar -, ela deve ser vista sobretudo como enorme oportunidade para os setores económicos mais competitivos. Por isso, importa avaliar desde cedo as enormes potencialidades dos novos acordos comerciais com mercados de crescimento pujante, como a Coreia, a Índia ou o Mercosul. Uma estratégia de crescimento das exportações, de importância vital para a diminuição do défice comercial e do endividamento externo da nossa economia, não pode ignorar a política de comércio e de investimento externo da UE.

Por exemplo, o ambicioso acordo comercial com a Coreia começa a ser aplicado em Julho próximo. É já amanhã!

[Público, terça-feira, 8 de Março de 2011]

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