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3 de janeiro de 2014

O estranho caso dos ENVC 

O Ministro da Defesa Nacional, Dr. José Pedro Aguiar Branco, multiplicou-se nos ultimos dias em entrevistas a orgãos de comunicação social para explicar o estranho no caso da subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Que acabou realmente por não esclarecer na Assembleia da República esta semana...Entrou lá, recordo, a desafiar que viesse uma Comissão de  inquérito da AR, mas mal saiu já PSD e CDS  diligenciavam para ela não acontecer... 

Ora, nas subsequentes entrevistas o Ministro realmente também nada explica, só complica e adensa o estranho caso dos ENVC às mãos da troika governamental Aguiar Branco/Paulo Portas/Passos Coelho.

Em entrevista à ANTENA1/DIÁRIO ECONÓMICO o Ministro afirmou que,  ao assumir a pasta da Defesa,  não encontrou nenhum processo de reestruturação dos ENVC; disse que tentou a privatização dos estaleiros para não enterrar lá mais dinheiro do Estado; e que desistiu dela e passou ao concurso de subconcessão por causa de uma notificação da DG da Concorrência da UE que obrigaria a empresa de Viana do Castelo a devolver 181 milhões ao Estado ou a encerrar. 

Ora o processo de reestruturação da empresa estava em curso, contrapôs entretanto Sócrates, invocando nesse sentido um relatório da Inspecção Geral de Financas de 2009 (embora não tenha explicado incompreensíveis obstáculos, como o que fez encalhar a entrega do navio Atlântida aos Açores). E nesse processo de restruturação se inseriam os contratos para os ENCV fabricarem dois asfalteiros para a Venezuela, contratos que Sócrates incontestavelmente desencantou. Contratos que o Ministro Aguiar Branco agora admite estar a negociar para que passem para a nova empresa subconcessionária!!! 

Ou seja, durante dois anos e meio o Governo nada fez para que os estaleiros tivessem meios para  cumprir essa encomenda, que só por si os tornava viáveis. Mas agora tudo faz para garantir a passagem do contrato para a subconcessionária....

Para não falar das encomendas de navios para a Marinha Portuguesa, que o Ministro Aguiar Branco entretanto cancelou, apesar de fazer todo o sentido econômico que fossem de fabrico nacional  - e o novo CEMA, Almirante Macieira Fragoso, ainda ontem na sua tomada de posse, sublinhou como a renovação dos meios navais "sofreu um grande revés" com as "vicissitudes conhecidas" dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, e advertiu para o "problema sério" que resulta de "uma enorme perturbação no planeamento de manutenção da esquadra ao obrigar a reinvestir em navios com mais de 40 anos de intensa actividade operacional, sem quaisquer garantias que se venha a obter retorno do investimento efectuado".

Claro que nem o Ministo Aaguiar Branco, nem ninguém, ainda explicou porque é que o aço que já estava há muito comprado pelos Estaleiros para fazer navios para a Marinha foi entretanto vendido como sucata pela Administração dos Estaleiros (nomeada por Aguiar Branco) aos estaleiros da Navalria -  por acaso, propriedade da Martifer ....

O Ministro insistiu na referida entrevista que a subconcessão  é a melhor solução para o país. Apesar de, pelas contas do jornal EXPRESSO, se verificar que, com as rendas que a Martifer vai entregar ao Estado e com os 30 milhões que o Governo conta gastar em indemnizações e, ainda, o passivo dos ENCV que o Governo vai ter de assumir, cada português vai pagar entre 2 e 46  euros por o Estado ceder os estaleiros livres de trabalhadores e outros encargos à Martifer -  uma empresa que tem um passivo maior do que os ENVC e não tem especial experiência de gestão de estaleiros  e de construção de navios.

O Ministro insiste também  em apresentar a Comissão Europeia como responsável por impedir a restruturação ou a privatização dos estaleiros, impondo assim como  "única solução" e "cenário menos mau" a subconcessão à Martifer. 
Aqui o Ministro mente, clamorosa e duplamente:
Primeiro acusa o anterior Governo de ter enterrado 181 milhões de euros para os ENVC, mas omite que foi já este Governo quem autorizou a EMPORDEF a dar aval à maior fatia desse valor, cerca de 102 milhões, em 2012. 
E depois mente quando invoca uma decisão tomada pela Comissão Europeia que não existe: o que há é o início de um procedimento de verificação de eventuais ajudas de Estado, que o Governo devia ter cabalmente esclarecido, mas a que respondeu incompetentemente, e pior, de que tira consequências indevidas, mal intencionadas e danosas para o interesse nacional e europeu. 

Mais: a própria Comissão Europeia, na suas comunicações de Janeiro e de Abril de 2013, ensina ao Governo como pode justificar as transferências feitas pelo Estado para os ENCV, transformando-as em ajudas perfeitamente legais, autorizadas para "empresas em dificuldades"  e em processo de restruturação. Transferências tanto mais justificáveis, quanto falamos de um sector estratégico para a recuperação industrial da UE e para a base industrial e tecnológica da Defesa e da Segurança na UE-(recordo que os Estaleiros de Viana do Castelo tanto constroiem navios para uso mercante, como constroiem para a Marinha Portuguesa). 

Ora, o Governo não comunicou  a Bruxelas um plano de restruturação dos ENVC porque não o tem, nunca o teve, efectivamente! O seu plano não é restruturar esta empresa publica, nem sequer privatizar parte, mantendo algum controlo público, como nas OGMA:  despedir os trabalhadores - e o Ministro nesta entrevista finalmente despe a máscara e admite  mesmo que pode haver despedimento colectivo  -  e passar o extraordinário activo estratégico e económico que são os ENVC a uma empresa suspeitamente mais endividada e pouco qualificada para os gerir  é o único plano do Ministro Aguiar Branco. 

Será só colossal incompetência ou estaremos diante de um caso de "captura do Estado" por interesses privados, como aqueles a que ainda ontem aludia o Secretário-Geral do PS? Ora é isso justamente o que investigações do DCIAP, do Tribunal de Contas e das instâncias europeias poderão esclarecer. 

Bem sei que o Ministro se afirma despreocupado ante quaisquer investigações, avançando que o seu ministério tudo entregou ao Tribunal de Contas e à Comissão de Defesa da AR, que tudo foi escrutinado por juris independentes, que tudo foi feito em concurso internacional... 

Mas quem integrou o júri do processo que decidiu a subconcessão, para além de um senhor magistrado do MP que foi no ano passado foi contratado para SG da AR, mas lá não aqueceu o lugar? 
E porque ainda não respondeu o Governo a um conjunto de pertinentes e muito específicas perguntas sobre o processo de privatização gorado e sobre o processo da subconcessão que o Deputado do PS por Viana do Castelo, Jorge Fão, lhe fez no início de Outubro?
E porque será que a Comissão Europeia, na sua comunicação de Abril, mostra ter duvidas sobre um processo de privatização que não era por concurso publico, nem pela máxima oferta? E porque será que o Governo responde que as alegadas ajudas de Estado serão "ajudas à privatização"?
E porque não está ainda on line no site do MDN, da EMPORDEF, ou dos ENVC todos o processamento do concurso de subconcessao, já decidido em Outubro?
E porque entre os anexos do concurso está incluída uma "declaração de confidencialidade" a que se obrigam todos os que levantaram os cadernos de encargos? Declaração de confidencialidade exigida até ao Presidente da Câmara de Viana do Castelo, se quis conhecer os termos a subconcessão? 
E porque que essa declaração e outras relativas ao processo de concurso  foram comunicadas ao Banco Espírito Santo de Investimento, SA? E porque é que o BES, o banco dono da ESCOM responsável pela engenharia financeira crapulosa das contrapartidas dos submarinos - que deviam ter viabilizado e beneficiado os ENCV, mas não viabilizarem nem beneficiaram - é o mesmíssimo banco que, sob o manto do secretismo, assessorou o Governo no processo da subconcessão?
Ah e mais um detalhe a esclarecer -  haverá cláusulas prevendo a contratação de trabalhadores incluídas no contrato de subconcessão ? Se sim, quais? se não, porque não?

Fico a aguardar com o maior interesse as respostas a estas perguntas pelo Ministro Aguiar Branco  ou quem ele designe para o efeito.

E termino citando de novo o CEMA que o Presidente da República impôs ao Governo:  "por muito que se possa querer mudar, a geografia não muda e por isso Portugal será sempre um país marítimo". Sublinhava a importância para a economia da "vontade para apostar no mar e nas actividades com ele relacionadas". Tal Como o Presidente da República tanto tem insistido nas suas intervenções sobre os desígnios de Portugal no Mar.  Por isso fico também a aguardar o que tem o Presidente da República a dizer  sobre o estranho caso dos ENVC às mãos da troika Branco/Portas/Coelho.


NOTA - este foi o texto que me serviu de base a intervenção no "Conselho Superior" da ANTENA 1 em 10 de Dezembro de 2013

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